Como a perda te transforma...

24-07-2020

Desde muito cedo comecei a perceber o quão importante era a figura da minha avó na minha vida, isto porque não tenho memórias no meu crescimento das quais ela não faça parte...na realidade a minha caminhada foi sempre ao seu lado.

Ao fazer uma retrospetiva percebo a sua grandiosidade, porque desde o meu nascimento me assumiu como sendo parte dela e não se permitiu trilhar o seu caminho sem me incluir.

Através dos meus olhos de criança ela sempre foi gigante...não só por ser uma pessoa robusta, mas por toda a garra com que sempre encarou as adversidades, e posso garantir que foram muitas...no entanto aquando da minha tomada de consciência de algumas das suas fragilidades, nomeadamente no que se refere à saúde, cedo comecei a desenvolver um sentimento de medo...um medo que me acompanhou até ao dia da sua partida...um medo que me fazia chorar quando a noite caía, um medo que me fazia entrar em pânico quando a sentia menos bem...um medo que não poderei nunca explicar...talvez por saber que ela era o meu tudo...porque de forma sábia ela foi preenchendo todas as lacunas afetivas pelas quais uma criança não deve passar, e conseguiu ser avó, mãe, pai, amiga, confidente,partilha, o meu escudo...Apesar de não ter crescido da forma mais convencional, cresci rodeada pelo seu amor, pelos seus valores, pelo seu exemplo...e foram tantos e tão bons.

Desde muito cedo assumi para mim que jamais a decepcionaria e que apesar das muitas limitações financeiras que sempre tivemos, ela me bastaria para percorrer um caminho digno e um dia alcançar a estabilidade que ela idealizara. 

Durante muitos anos o meu foco não foi mais que lutar para tentar dar-lhe melhores condições de vida...e em cada objetivo, cada dificuldade, cada empurrão que precisei, ela estava lá, mesmo quando não sabia...

Sempre foi o meu ponto forte e o meu ponto fraco...

O último ano de vida da minha princesa foi de um desgaste emocional indescritível...

Ao longo da vida a minha avó sempre se anulou em função dos outros. Ela não encarava esta missão dessa forma  porque tinha o dom de cuidar, mas ignorou os sinais que o seu corpo lhe foi dando e gradualmente foi deteriorando cada " pecinha" dele.. 

Alérgica aos médicos só se deixava " apanhar" por estes quando não tinha capacidade de decisão e o tempo não perdoou. No ano de 2016 andou a conta gotas...viu o corpo que a acompanhara durante toda a sua jornada dizer-lhe que chegara a hora de parar e aos poucos cada orgão vital foi entrando em falência de forma rápida e pouco digna...

O meu egoismo foi sempre maior e mesmo consciente do seu sofrimento, apelei de forma insistente que não partisse...e ela lutou...lutou muito...porque sabia a falta que me faria...

Ao seu lado eu continuava a ser a criança e ela a gigante....

Naquela madrugada de serviço, ela pediu para me chamar e saí a voar, acreditando que tudo iria correr bem...não posso descrever o tamanho da minha dor quando a vi...foi duro demais observar a luta que a mente e o corpo travavam... soube que chegara o dia...ela não me deixou margem para dúvidas...A minha avó partiu no dia seguinte e eu não estava ao lado dela como lhe prometera...o sistema obrigara-me a ir entrar de serviço...a chefia obrigara-me a ir entrar de serviço...para quê ficar no hospital a dar conforto a uma avó? "Não podemos estar a prejudicar de novo a escala por causa de si Sílvia"...e eu fora cobarde...achei que findas as 8 horas voltaria a ela e aprendi da pior forma que não devemos adiar o que quer que seja...

Ela partira e parte de mim partira consigo... 


continua...





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