Tu "Cáui" pelos meus olhos

De corpo delgado e esguio como uma enguia, levava a vida com a leveza de um espirito. Dono de uma gargalhada estridente desprovida de regras de etiqueta, apreciava o simples e descomplicado dispensando sempre que possível regras estereotipadas.
Crescera no bairro e sem precisar de recorrer a uma bola de cristal, aprendera desde cedo que o futuro não passaria pelos livros. Era o mais novo de dez irmãos numa casa liderada por mulheres.
Formado na "universidade aberta" decorada de árvores e um verde a espraiar-se, pavimento em gravilha com efeito nuvem ao arrastar dos pés, onde pontas de cigarro ainda a fumegar serviam para bafos curiosos que acabavam numa tosse desconcertada. Carros que não eram mais que caixotes de madeira assentes em rodas improvisadas. Uma bola de trapos mal calibrada que quando batida dava a beber o sabor da vitória... pedagogia crua que dera a Carlos competência e versatilidade para alcançar o mundo. Mundo, onde somente queria fluir, sem apego ao material onde o suficiente sempre lhe bastara.
Dez anos antes plantara a sua semente, da qual se alimentava, pela qual se obrigava a viver o terreno e substituíra as vestes de espirito livre pelas de super herói.
O cigarro adornava-o há mais de vinte anos, até que uma tal Covid o confinou a quatro paredes e lhe mostrou que se bastava a si próprio e que era tempo de mudança.
Encontrara-se, evoluíra.
Visitou, acalmou, organizou, perdoou. emanava paz.
Era um regresso do trabalho igual a tantos outros...com a mesma convicção, a mesma gargalhada, a mesma certeza para todos...Mas não!
A "betoneira" humana em que se transformou aquele carro abriu um fosso nas vidas que tocaste deixando mil e uma perguntas sem resposta...O teu sorriso esse...continuará para sempre na nossa memória!
( Dedico estes texto ao meu tio de sangue, irmão de criação, falecido num acidente de viação em Junho de 2020)
🤍Sílvia Figueiredo